Somos mesmo livres para escolher?

Sempre fui uma pessoa de tonalidades contrastantes. Era lógica e prática ao mesmo tempo que era sonhadora. Sonhava acordada o tempo todo, o que compensava a falta de sono à noite devido à ansiedade que me mantinha desperta. Eu queria fazer o possível e o impossível só pelo gostinho de dizer que podia. Queria trabalhar em algo que me despertasse paixão. Queria contribuir para a minha profissão. Queria ser referência. Queria ser lembrada. Queria deixar marcas. Queria ter poder e influência. Queria fazer a diferença e não ser só mais uma. Queria viajar e conhecer o mundo todo. Queria provar sabores diferentes, ares diferentes e culturas diferentes. Queria ser dona do cérebro mais inteligente, repleta do máximo de conhecimento possível, pois sempre compreendi que essa é a única coisa que de fato nos pertence, que nos constrói e nos preenche.
Sempre que pensava no futuro, projetava minha vida no âmbito profissional, pois pra mim todo o resto dependia de quem eu era, e minha profissão era o alicerce de tudo. Ou seja, tudo sempre girou em torno de mim mesma. Nunca fez parte dos meus sonhos construir uma família, casar ou ter filhos. Acho que sempre fui da ideia de que bastava eu mesma para ser feliz. Sempre fui do time das mulheres independentes e bem resolvidas, e nunca aceitei nada que me diminuísse. 
Por esse mesmo motivo, quanto mais eu crescia, mais as pessoas diziam que eu era criança. Quando entrei para a faculdade, me apaixonei pela profissão que escolhi e os planos, a dedicação e a obstinação só aumentaram. Por outro lado, cada vez mais as pessoas me cobravam namoro, noivado, filhos e afins. E quando eu dizia que não queria nada disso, que minhas prioridades eram outras, sempre ouvia a mesma resposta: “ah, mas você ainda é muito jovem, vai mudar de ideia, você vai ver”. Era impossível conceber a ideia de uma mulher que não queria construir uma família. “Como assim você não quer casar? Vai ficar solteirona?”, “filhos fazem parte da necessidade de uma mulher. Se você não tiver, vai se arrepender quando tiver 60 anos”. 
Por isso, chego hoje a conclusão de que a sociedade ainda não está preparada para as mulheres como nós. Até é aceito que concorram no mercado de trabalho e almejem objetivos profissionais, mas a sociedade ainda impõe que nossa prioridade seja nossos filhos, nossa família… Aquelas poucas que ousam colocar sua vida profissional em primeiro plano são vistas como negligentes, desalmadas, péssimas mães e esposas. Um absurdo, um fracasso. Ainda temos a obrigação de investir e nos doar pelos outros, e não por nós mesmas. Por regra, nós não nos bastamos sozinhas e quando bastamos, somos egoístas ou infelizes.
Isso não deixa de ser uma forma de repressão, coisa que sentimos na pele todos os dias. Fruto de um patriarcado tão enraizado na sociedade, que em pleno século XXI ainda se encontra presente na mente da maioria das pessoas. Você até pode ser uma boa profissional, seguir sua carreira, ter planos e tudo o mais, contanto que antes seja uma boa mãe, uma boa esposa, etc. E venhamos e convenhamos, é praticamente impossível ter duas prioridades com o mesmo peso. Sempre precisamos nos focar em alguma coisa. Claro que não desmereço as mulheres que optaram por essa vida. Cada um deve persuadir os objetivos que acredita que lhe fará feliz e tenho a consciência de que criar filhos e construir uma família seja um trabalho extremamente árduo e exaustivo, onde você precisa se doar 100% (e é exatamente por isso que não serve pra mim). Mas precisamos abdicar dessa ideia de que uma mulher sem isso é incompleta. Precisamos ser livres para escolher, afinal, a vida é nossa e é com nós mesmas que teremos que lidar no final de tudo. Todas as frustrações e arrependimentos não serão culpa de ninguém a não ser de nós mesmas. Precisamos mudar esse pensamento, pois só seremos completas o dia que pudermos escolher sem reprimendas.

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